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Bitcoin: A moeda no ecossistema digital

Bitcoin: A moeda no ecossistema digital
Gabriel Henrique Dalmolim
jul. 5 - 10 min de leitura
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Capítulo 3: O Bitcoin como experiência econômica: O que um Prêmio Nobel tem a ver com isso?

Nesse capítulo, falaremos sobre alguns aspectos econômicos do Bitcoin. Após falarmos sobre como a Blockchain substitui os intermediários do sistema bancário (clique aqui para ler o capítulo 2), vamos falar como ela pretende substituir outra instituição muito importante: o Banco Central.

Um Nobel e suas ideias

Em 1976, Milton Friedman ganhava o Prêmio Nobel de Economia “por suas realizações nos campos da análise de consumo, história e teoria monetária e por sua contribuição no entendimento da complexidade da política de estabilização”. Em suas duras críticas as políticas econômicas das autoridades monetárias, principalmente ao FED (banco central americano), Friedman foi um dos economistas mais influentes do século XX. Ele é o principal expoente da Escola de Chicago, também chamada de Escola Monetarista. Suas ideias influenciaram economistas, empresários e políticos ao redor do mundo. Contudo, sua ousada proposta de condução para as políticas monetárias nunca foi posta em prática- principalmente devido à falta de vontade política. Mas, aparentemente, Satoshi Nakamoto- o misterioso criador do Bitcoin- foi influenciado por muitas de suas ideias. Friedman faleceu em 2006, antes do surgimento do Bitcoin. Contudo, acho que ele ficaria animado com as possibilidades econômicas de uma criptomoeda totalmente digital e sem interferência governamental.

Bom, ele só errou uma coisa: no Bitcoin, o dinheiro é 100% rastreável.

Autoridade Monetária: o Poder Discricionário

Como vimos no capítulo 1, o grande problema das autoridades monetárias é a mudança nas regras do jogo. Qual critério seguirão para definir políticas? Haverá expansão ou retração monetária? Qual nível de inflação será tolerado? Se a inflação passar da meta, haverá alguma medida? Ou, como disse Dilma Rousseff, eles deixarão a meta aberta e, quando atingirem a meta, dobrarão a meta? Aliás, essa frase define todo o problema de ter uma autoridade monetária centralizada: há vontades políticas, mudanças bruscas de curso, conduções equivocadas, ou seja, a política é exercida através do poder discricionário (arbitrário). Resumindo: a regra do jogo muda a toda hora.

A analogia do Barco

O grande problema das políticas discricionárias é ilustrado didaticamente pela analogia de Carl Christ perante o senado americano [1]. Para Christ, as ações de estabilização ou de incentivo promovidas pelos bancos centrais são como os movimentos de um capitão de um barco no alto-mar. Os passageiros correm para a proa ou popa dependendo da inclinação do barco, que se move com as ondas que não podem ser previstas. O capitão, por sua vez, tenta cortar as ondas de maneira eficiente e que traga mais conforto para os passageiros. Assim, é possível identificar as defasagens desse processo: o capitão precisa identificar as flutuações e tomar um curso de ação que se adeque aos seus objetivos de proporcionar estabilidade aos passageiros e, por sua vez, os passageiros devem responder não somente às ondas, mas aos movimentos as vezes bruscos feitos pelo capitão. Logo, o capitão gera mais instabilidade ao responder abruptamente as ondas; ele se torna mais um fator de instabilidade.

Ampliando essa analogia, se o capitão, ao invés de objetivar a estabilidade para os passageiros, quiser simplesmente fazer a viagem do jeito mais rápido possível para ganhar mais dinheiro? Bom, a autoridade monetária pode ter vários defeitos, como: ser mais permissiva com altas taxas de inflação para manter um crescimento econômico de curto prazo- algo que geralmente não é sustentável-, tomar medidas erradas, sofrer interferência política, etc.

Portanto, Friedman defende que a política monetária deve ser guiada por uma variável monetária, ou seja, que possa ser realmente controlada pela autoridade. O nível de preços é, sem dúvida, a variável monetária mais importante. Contudo, a relação entre políticas monetárias e preços é mais variável no sistema financeiro moderno- essa é a grande diferença da teoria dos monetaristas. As ações da autoridade monetária possuem defasagens e, também, efeitos de magnitudes diversas dependendo da conjuntura. Logo, para os monetaristas, devido as essas defasagens e imprevisibilidades dos efeitos da condução monetária, uma política que busque nivelar o nível de preços pode ser mais uma fonte de instabilidade. Logo, o monetarismo indica que a quantidade monetária- o quanto de moeda existe- deva ser a variável de controle.

Logo, Friedman defende que a autoridade monetária deve conduzir a política monetária a partir da adoção pública de uma taxa de crescimento monetário. O curso firme e contínuo das políticas monetárias é a principal função dessa autoridade. Mudanças bruscas da condução de políticas geram perturbações econômicas e desestabilizam a “máquina monetária”. Outro papel relevante da autoridade monetária é a sugestão de melhorias de tecnologia. Assim, pode-se modernizar a moeda e melhorar seu funcionamento.

Desse modo, cria-se um plano de fundo estável, em que os agentes econômicos podem ter confiança que o comportamento do nível de preços será estável e previsível no futuro. Com uma taxa de crescimento conhecida publicamente, haveria uma estável e moderada mudança no nível de preços- uma melhoria em relação a amplas e erráticas mudanças vivenciadas num modelo de condução discricionário.

Bitcoin: o ouro digital

O que o Bitcoin tem a ver com isso? Bom, o Bitcoin é uma criptomoeda que é emitida de forma descentralizada e que segue uma regra não discricionária e que dificilmente pode ser alterada. O crescimento da quantidade monetária é predeterminado e de conhecimento público. Como característica única, o Bitcoin tem um limite de 21 milhões de unidades que podem ser mineradas. Essas novas moedas serão mineradas a uma taxa decrescente até o ano de 2140. Portanto, a quantidade de bitcoins se aproxima ao seu limite em uma função assíntota. Essa limitação foi pensada para que o Bitcoin simule, matematicamente, uma escassez parecida com o ouro- que é limitado pela natureza.

Essas moedas novas são emitidas pelos mineradores no ato de verificar as transações. Assim, há uma recompensa econômica para o ato de verificar as transações e autonomia para a blockchain; mineradores cedem poder de processamento para verificar as transações em troca de bitcoins.

A cada 210.000 blocos, que acontece a cada quatro anos aproximadamente, acontece o halving. Esse acontecimento é o que determina a taxa decrescente da mineração de bitcoins. A cada halving a quantidade de moedas mineradas por bloco é reduzida pela metade. Em 2016, a quantidade de bitcoins minerados por bloco caiu para 12,5; em 2020, esse número cairá para 6,25. Isso continuará acontecendo até 2140, quando a última fração do bitcoin será minerada.

Portanto, o crescimento da quantidade monetária do Bitcoin é regido pelo protocolo de mineração previamente estabelecido. Esse protocolo só pode ser alterado com o consenso de todos os mineradores da rede. Portanto, as regras são altamente estáveis, claras e de conhecimento público- assim como sonhou Friedman.

No Bitcoin, o controle das políticas monetárias é dos próprios usuários da blockchain. Esse protocolo funciona como uma autoridade monetária com completa autonomia, descentralizada, totalmente digital e sem qualquer interferência política.

Tirando ideias do papel

Como anteriormente mencionado, a proposta de Friedman nunca foi implantada, integralmente, por nenhuma autoridade monetária- em nenhum lugar em nenhum momento. Foi necessário que um novo tipo de moeda, advinda de fundadores misteriosos, dos confins da internet, sem intervenção governamental para que suas ideias fossem implantadas. Claro, existem algumas pequenas diferenças- Friedman ainda pensava em uma autoridade monetária central-, mas a inspiração é clara; o Bitcoin pode ser considerado como a primeira experiência econômica do modelo monetário de Friedman.

Friedman recomendava uma taxa constante de crescimento; no Bitcoin, essa taxa é decrescente e limitada em 21 milhões. Contudo, o próprio Friedman pormenoriza esse tipo de diferença:

“A exata taxa de crescimento, assim como a exata quantidade monetária, é menos importante que a adoção de uma estabelecida e conhecida taxa” [2]

Portanto, outra grande maravilha das criptomoedas é: a capacidade de fazer experiências econômicas em ambientes mais controlados. Historicamente, experiências econômicas trouxeram grandes passivos socioeconômicos, por exemplo: o congelamento de preços na década de 80 no Brasil, planos econômicos e várias trocas de moedas em curtos períodos de tempo, etc. Portanto, as criptomoedas permitem que novas teorias sejam testadas- tirando toda a parte de potencialmente piorar a qualidade de vida de milhões de pessoas.

As possibilidades são infinitas, pode-se construir blockchains com protocolos diferentes, diferentes criptomoedas que podem coexistir ou concorrer entre si. Qual será mais estável? Qual trará maior facilidade de uso? Qual é menos suscetível a ataques por fraudadores? Só o futuro poderá dizer.

Podemos estar vivendo uma nova era: a era das experiências econômicas.

Esse é o último capítulo da série introdutória ao Bitcoin. No primeiro capítulo (clique aqui para ler o capítulo 1), falamos sobre qual o provável futuro da moeda através da análise do sistema monetário e bancário atual. No capítulo dois (clique aqui para ler o capítulo 2), falamos sobre a revolucionária Blockchain e como pretende resolver o problema do intermediário. Por fim, nesse último capítulo, falamos sobre a inspiração monetarista da moeda e como as criptomoedas possibilitam experiências econômicas na área monetária de maneira mais fácil. As possibilidades são infinitas, mas uma coisa já se torna palatável: as criptomoedas e as blockchains já são uma realidade, um fato- e vieram para ficar.

[1] SENNA, J. J. Política Monetária: Ideias, experiências e evolução. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.297, 2010.

[2] FRIEDMAN, M. The Role of Monetary Policy. The American Economic Review, Washington, v. 58, p. 1-17, 1968.

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